Isso é tão renatiano...

Teatro Bom - Teatro Ruim
Eu não me lembro ao certo quando me apaixonei pelo teatro. O
que tenho certeza é que desde pequeno sempre me senti
diferente dos meus amiguinhos de escola e da vizinhança.
Imaginação fértil, criador de histórias e uma capacidade
assustadora de introspecção que me levavam para uma espécie
de mundo paralelo, como uma arena onde eu pudesse criar o
que bem entendesse. Quase um esquizofrênico que não se
relacionava com o exterior. E vamos ao psicólogo, vamos à
análise e conversas de horas para diagnosticar que sempre
fui perfeitamente saudável, sendo apenas uma criança
reservada e tímida. Hoje posso perceber com clareza que
durante muito tempo, devo dizer minha infância inteira e
parte da adolescência, vivi muito mais o plano interno do
que o externo e o teatro é para mim um canal para conseguir
equalizar tais universos. É se conhecer e tentar entender as
relações humanas e crescer a partir delas; enriquecer o
pensamento e transformar ideais em voz. Daí meu interesse
pelo lúdico; pela caixa preta que nos possibilita sermos
maiores ou menores, criaturas esdrúxulas ou refinadas. Ao
fato de propor para a platéia e conduzi-la a uma viagem.
Isso tudo é apaixonante. Fora todo o trabalho do ator que se
entrega plenamente e se coloca diante de um público com suas
propostas, seus gestos, sua partitura vocal e de corpo por
inteiro.
Como é gratificante criar. Tomar aquilo como seu, se
apropriar de tal personagem e transportar para linguagens
cênicas diversificadas.
Nunca pensei que em algum desses casos me sentiria castrado. Como
se o que eu fosse propor em cena estivesse errado e eu
tivesse que me adequar aos moldes estabelecidos. Sim! O
conflito é esse: me encaixar em algo que não sei se acredito
muito e desenvolver um trabalho tão próximo da realidade
cotidiana que chega a ser chato e até banal do ponto de
vista criativo.
Mas me pergunto, como espectador, qual a graça de se ver um
espetáculo onde atores discutem o drama como se estivessem
na sala de suas casas, segurando xícaras com chá quente em
volta da mesa do café da manhã, com textos
hiper-naturalistas e cenário impecável, tal qual uma novela?
Para mim, nenhuma! Quero ser instigado. Ver essa cena do chá
sobre outra óptica, ser transportado para outros mundos,
analisar e pensar no que é subjetivo, no que os atores estão
falando, nas verdades dos autores. Isso para mim é
fascinante. Sair do teatro com a sensação de que aprendi
algo novo e de que estou SIM pensando. Por que todos nós
estamos vivos e temos a capacidade de pensar, de transportar
idéias, de concordar ou discordar, de querer ou não querer e
até de se revoltar com o que está sendo proposto e
simplesmente não aceitar. Mas está ali. Dentro de você
alguma coisa aconteceu quando se vê um bom teatro. E isso é
gratificante para ambos os lados. Tanto para quem se entrega
ao palco como para quem vê. E é isso o que eu quero. Quero
mais. Quero propor com meu corpo, quero imagens construídas
através da minha subjetividade, da minha vivência, do meu
estudo, quero um olhar diferente em relação ao cotidiano.
Será que esse novo teatro é importante e interessante
exatamente porque propõem o pensamento do público de maneira
superficial?
Como se as pessoas não quisessem ouvir verdades ou até as
escutem, mas que seja de forma mastigada, porque afinal de
contas, vivemos em tempos de preguiça.
Será que propor o pensamento tem que ser menor do que o
entretenimento? Se o for, eu concluo que isso tudo é muito
triste e talvez seja melhor ficar em casa assistindo a
novela. Afinal, no mundo de interatividade que estamos, a
gente pode até propor se o mocinho termina com a mocinha,
claro que de uma forma muito real e naturalista.

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