Isso é tão renatiano...

Apesar do forte calor do fim de verão, do céu tomado por um azul tão intenso que qualquer pessoa consciente de si teria vontade de mergulhar na sua imensidão e dos tons alaranjados do cair do sol que já se despedia para brilhar em outros jardins as cores das folhas e das copas das árvores já não tinham mais a mesma intensidade de sempre. Era como se tudo estivesse encoberto por um imenso véu, estendido por milhas e milhas, pelas mãos de alguém que já não queria mais a luz dos dias ensolarados e desejava que todos, dali ou daqui, vivessem na tarde gris. Uns diriam que sempre é compensador depois de tanto brilho um dia cinza para se ter uma pausa num café desses pequeninos, que os transportam para Paris ou alguma cidadezinha lá da Europa, que nem sempre sabem onde é ou quais são os seus problemas físicos, mas que decididamente, seria melhor do que estar ali. Limitando-se a enxergarem o prazer de se estar ali e reconhecer em si mesmo um ser único, integrante de todo universo. Mas isso não importa perto da cidade de coordenadas geográficas desconhecidas. Mesmo assim, essas mulheres e homens se firmam em acreditar que o café possa ser proveitoso ainda que estejam apenas ali, onde têm de estar. Outro grupo de pequenas senhoras com o pescoço enfeitado por bolinhas brancas achatadas nas pontas e presas umas do lado das outras por uma corrente invisível, de casaquinhos finos e óculos de sol de lentes marrons e também de senhores de camisas e boinas cuidadosamente colocadas para que o sol não queime suas cabeças já expostas a essa altura da idade, também devidamente distintos como as senhoras, diriam que tardes assim nem sempre são proveitosas. Talvez por conta das muitas já vividas, não reconheçam a graça e, quase que unanimemente, escuta-se de suas bocas a profecia da chuva que se aproxima e que fatalmente cairá sobre a cabeça de todos, sejam jovens, velhos, pobres, ricos, indigentes ou simplesmente... Gente. Todos transeuntes que por ali passam e que já sentem a garoa repousando na pele e nos pêlos.
Imaginava quem tivera ordenado tal fardo àquela tarde. Por que tivera nascido tão bela e esplendida, casando em perfeita harmonia com o sol, mostrando-se plena, feliz e quente. Por que alguém jogaria tamanho peso em suas costas e não permitiria que ela, a Tarde, se despedisse de forma estável sobre o firmamento. Será que algum desencontro do acaso ou alguma mágoa perdida há muito tempo teriam voltado à tona? Ou talvez alguma grande frustração de não se reconhecer como plena tenha irrompido o céu e, naquele momento, naquele exato momento, seu coração tenha se comprimido, se espremido, se torcido de uma dor tão latente e pungente que a tenha devastado de maneira tão profunda e que nada a faria se despedir e passar à Noite seu posto de forma incólume. Se pudesse, perguntaria à Tarde o motivo de tanto desespero e tentaria consolá-la. Mas já não era mais possível. A Tarde já chorava e chorava também seus olhos. Que o sol da próxima tarde brilhe para todos, pensou, buscando um abrigo diante da melancolia de sua amiga e também diante da sua. Alguns transeuntes ainda insistiam em correr por entre as lágrimas. Não quis arriscar, dado à força com que vinha a tristeza da Tarde.

2 comentários:

  Dom .A.

24/6/09 15:16

A vida segue sozinha seu próprio rumo. Resta-nos tentar acompanhá-la....

Ab

  Renatiano

25/6/09 02:51

E fazer dessa jornada algo que realmente valha a pena, não acha?
Apareça sempre!!
abs