O Grito

 

O grito ecoou por entre as frestas das janelas, pelos vãos das portas entre abertas, pela noite quente e tranquila. Nem o duro tijolo misturado com o sólido concreto impediram a voz sem identidade de adentrar impetuosamente nas casas dos cidadãos honestos, desejosos da noite para descansar. Noite escura e cruel. Silenciosa. Noite inimiga que não quer ser interrompida pelo grito. Que não está acostumada ao barulho e a ser contrariada. Noite impassível que nada pode fazer, a não ser ostentar sua escuridão e reinar nos céus. Sentiu-se desafiada pelo grito. Esse rápido, esperto, agudo, alto e sonoro grito. Partiu pela noite, faceiro como só ele poderia ser e sentia que quem o gerou queria que todos o ouvissem, que entrasse sem ser anunciado em cada lar, em todos os cantos, em cada ouvido. Pela sua intensidade, sabia que seu dono queria ainda que percorresse o mundo. O grito descobriu que a tarefa era difícil logo que saiu dos pulmões e garganta, carregado de ar e sonoridade. Procurou se espalhar. Ali no vizinho, por entre os prédios, encontrou as copas das árvores, alguns animais, o asfalto. Ele tinha a visão além daquele quadro. Queria vencer a noite e chegar até onde ela não mais existia. Foi ficando pequeno. Perdendo espaço. Lutou por mais alguns segundos até não mais agüentar. Assim, não havia mais nada a fazer, a não ser render-se à noite preta que continuava a reinar, soberana e indiferente. 

1 comentários:

  M.M.

16/2/10 00:02

Adoro desafiar noites como essa... eu, presunçosa, me senti o próprio grito...
Saudades de ti!
Beijos

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