O Caminho
O mundo girava diferente naquele outono. Corria pelo ar a brisa típica dos finais de tarde, seguida por tapetes de folhas secas ao longo do caminho que se estendia diante de seus olhos até o horizonte. Certo frio tomou conta de seus poros e sentiu, ali, naquele momento, um arrepio em todo o seu corpo, saltando em sua pele pequenos poros eriçados, numa intensa e sutil dança do seu organismo humano, limitado e perfeito em sua estrutura interna organicamente saudável e lapidada através da sua evolução, passando de ancestrais a ancestrais, formado por sangue e laços que nem sempre soube entender ou explicar a si mesmo.
O caminho permanecia imóvel ostentando um ar eloqüente de que por ali ele cumpria o seu único destino de servir para que pés descalços ou com sapatos simples ou elegantes, de couro ou borracha forte e pesada, com tiras, fechos, cadarços, em lona, altos, baixos ou simplesmente os que detêm a função de calçar pés tortuosos e cansados, pudessem cruzá-lo. Longo e direto. Enfeitado com pedras que se assemelhavam aos poros arrepiados que a esse ponto já adormeciam em sua pele alva, macia e jovem. Há tempos ele pensava em pisar de forma objetiva e traçar o espaço que dali não se arredaria, mas que o estimulava simplesmente a vencê-lo. Olhando de uma visão privilegiada, nem lhe metia medo, só conseguia mesmo era sentir o furor da sua carne jovial ansiosa em gritar aos seus pés para que corresse em linha reta, ouvindo o estalar das folhas secas se quebrando no concreto, enquanto a brisa leve batia-lhe no seu rosto, permitindo que lembrasse sempre de que estava vivo e respirava. Que dádiva. Inspirar um pedaço, ainda que não palpável, do mundo. Permitir que por entre suas narinas a vida seguisse o seu curso e que nesses milésimos de tempo, ainda que pulsante e forte dentro de si, uma força mantivesse-o parado diante das pedras batidas no chão e do tapete marrom que o cobria. Sentia o impulso. Entretanto, maior do que ele era sua incapacidade de mandar o estímulo para que seus pés entrassem num ritmado movimento, um ante o outro, para que dali saísse desse insuportável minuto. Pensou se antes dele, havia parado ali naquele lugar algum corpo claro, alto e esquio, como o seu. Se também esse outro ficou estático enquanto suas veias percorriam todo o seu corpo, culminando, como um vulcão em erupção, em sua face rubra. Tudo parou. O mundo estava mais devagar, mas seu corpo não correspondia àquilo. Sua cabeça codificava impulsos. Seus lábios sutilmente entre abertos, seus ouvidos atentos, seu pulso em harmonia com seu peito batia acelerado. Mas a sua volta o tempo era outro. Os segundos se estendiam, o ar parecia lhe faltar e o caminho continuava soberano; agora mais assustador do que antes. Inundou seus pulmões, sentiu o oxigênio dentro de si. Quis segurá-lo por um tempo incalculável. Fechou seus olhos e devolveu à Terra o ar, que tão prontamente Ela havia lhe dado, envolto num grito agudo, desesperado e único. Ouviu a si mesmo, ao eco, ao grito indo embora longe e desejou seguir. Passou levemente a mão em seu rosto. Quis um sorriso entre os lábios que veio sem esforço. O mundo parecia girar como antes. Respirou mais uma vez profundamente enquanto ordenava o movimento dos seus pés. Andou. Passos curtos seguidos de passos certos e continuou seu caminho, já com um olhar mais tranqüilo e sereno.
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